domingo, 2 de setembro de 2012

Aulas de ioga e meditação para libertar presos

Condenado a quatro anos em regime fechado, acusado de roubo, o mineiro Manoel Fagundes, de 45 anos, diz que viu uma porta se abrir diante dele no Presídio Evaristo de Moraes, em São Cristóvão, onde está preso há um ano e seis meses. As grades que cercam o lugar continuam bem trancadas e, segundo Manoel, essa experiência só foi possível graças aos cursos de meditação e ioga oferecidos dentro da casa de detenção, semanalmente, para cerca de 40 internos. As aulas fazem parte do projeto voluntário Prision Smart, criado pela Fundação Arte de Viver, voltado para a reabilitação de presos. Cerca de 400 detentos já foram beneficiados pelo programa no Evaristo de Moraes que, por enquanto, é a única cadeia do estado a ter esse tipo de atividade.

Líder espiritual criou fundação

Fundada há 30 anos, presente em 156 países e há dez anos no Brasil, a Arte de Viver oferece cursos de fortalecimento individual e ensina técnicas de respiração que ajudam os internos a eliminar emoções negativas. As aulas têm o mesmo conteúdo dos cursos realizados fora da prisão. Na cadeia o objetivo é o mesmo e, segundo Manoel, quando medita o preso consegue sentir amor, fé e esperança, sentimentos que ajudam os detentos a conviver com a privação de liberdade.

"Os presos aprendem técnicas de limpeza, esvaziam a mente. Ensinamos a sudarshan kriya, uma técnica de respiração que funciona como uma ação purificadora, traz a visão clara e ajuda a eliminar toxinas. É uma limpeza em nível celular", diz a advogada Carolina Jourdan, que dá aulas para os presos e integra a Arte de Viver, fundada pelo líder espiritual indiano Sri Sri Ravi Shankar, que está em visita ao Brasil.

Segundo ela, as mudanças de comportamento são visíveis:

"Você vê que a transformação é verdadeira, não tem como dissimular. Eles são muito sinceros, não têm máscaras".

Os cursos no Evaristo de Moraes seguem a mesma linha dos oferecidos em prisões da Argentina. No Brasil, já houve uma experiência parecida em Recife e, por aqui, as turmas começaram há quase dois anos. Subsecretário de Tratamento Penitenciário do Rio, Moises Bornac diz que o estado não tem condições de acompanhar os presos que saem do sistema, para saber se continuam zen após serem soltos. Mas, segundo ele, a melhora na disciplina é perceptível nas celas. Apesar do sucesso, no entanto, não há previsão de o projeto ser estendido a outras unidades, pois faltam voluntários para atuar em presídios mais distantes, como em Bangu, Japeri e no interior do estado.

Na cadeia de São Cristóvão, os encontros acontecem numa sala-cela grande, bem iluminada, equipada com tapetes e assentos com encosto que ficam no chão e facilitam a realização dos exercícios. Carolina começa dando os comandos da aula de yoga e não demora muito para a turma ficar completamente em harmonia. O equatoriano Ruben Herrero, por exemplo, diz ter muitas sensações durante as aulas. São angústias que afloram e chegam a dar vontade de desistir do curso:

"É como um espelho que está sendo limpo, um fenômeno mágico", diz o interno, que alega segredo de Justiça para não dar detalhes sobre sua condenação, mas não esconde a satisfação ao tentar mudar o seu destino. "Estou aprendendo a viver o presente. A gente fica preso ao passado, às angústias e, com a meditação, afloram muitas sensações. Costumo dizer que médicos dão remédios para curar os males do corpo e, para curar conflitos sociais e jurídicos, levam para a casa de detenção. Mas ainda não há um tratamento para isso, é preciso pensar nisso, se antecipar, oferecer tratamento psicológico para quem está no presídio".

Há 26 anos vivendo no sistema carcerário, com passagens por unidades que já foram desativadas e até demolidas, como o presídio da Frei Caneca, Cristiano José da Silva perdeu a liberdade aos 23 anos. Hoje, aos 49, faz uma análise fria da cadeia: segundo ele, o modelo tradicional de detenção no país não é capaz de recuperar os internos.

"Nunca tinha visto nada que levasse bem-estar ao preso. Eram só brigas e mortes. Vi algumas rebeliões. Mas, graças a Deus, a Arte de Viver me trouxe uma paz inexplicável. Sinto mais amor hoje em dia", diz Cristiano, que foi condenado a 68 anos de prisão por assalto, tráfico e homicídio e, para se reencontrar, teve que passar por um processo de desintoxicação pessoal. "Tivemos uma aula muito intensa, falei durante cinco minutos sobre mim mesmo, não estava preparado, não sabia controlar minha respiração. No dia seguinte não consegui sair da cela, senti náusea, tive diarreia, fiquei deitado durante dois dias. Depois eu soube que isso já ocorreu com outras pessoas".

Os detentos que fazem o curso de meditação são orientados a passar uma semana em silêncio e usam uma plaquinha no peito, indicando que não podem falar. A tarefa é complicada porque os companheiros de cela ficam curiosos, mas tentam colaborar.
 
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