Condenado a quatro anos em regime fechado, acusado de roubo, o
mineiro Manoel Fagundes, de 45 anos, diz que viu uma porta se abrir
diante dele no Presídio Evaristo de Moraes, em São Cristóvão, onde está
preso há um ano e seis meses. As grades que cercam o lugar continuam bem
trancadas e, segundo Manoel, essa experiência só foi possível graças
aos cursos de meditação e ioga oferecidos dentro da casa de detenção,
semanalmente, para cerca de 40 internos. As aulas fazem parte do projeto
voluntário Prision Smart, criado pela Fundação Arte de Viver, voltado
para a reabilitação de presos. Cerca de 400 detentos já foram
beneficiados pelo programa no Evaristo de Moraes que, por enquanto, é a
única cadeia do estado a ter esse tipo de atividade.
Líder espiritual criou fundação
Fundada
há 30 anos, presente em 156 países e há dez anos no Brasil, a Arte de
Viver oferece cursos de fortalecimento individual e ensina técnicas de
respiração que ajudam os internos a eliminar emoções negativas. As aulas
têm o mesmo conteúdo dos cursos realizados fora da prisão. Na cadeia o
objetivo é o mesmo e, segundo Manoel, quando medita o preso consegue
sentir amor, fé e esperança, sentimentos que ajudam os detentos a
conviver com a privação de liberdade.
"Os
presos aprendem técnicas de limpeza, esvaziam a mente. Ensinamos a
sudarshan kriya, uma técnica de respiração que funciona como uma ação
purificadora, traz a visão clara e ajuda a eliminar toxinas. É uma
limpeza em nível celular", diz a advogada Carolina Jourdan, que dá aulas
para os presos e integra a Arte de Viver, fundada pelo líder espiritual
indiano Sri Sri Ravi Shankar, que está em visita ao Brasil.
Segundo ela, as mudanças de comportamento são visíveis:
"Você vê que a transformação é verdadeira, não tem como dissimular. Eles são muito sinceros, não têm máscaras".
Os
cursos no Evaristo de Moraes seguem a mesma linha dos oferecidos em
prisões da Argentina. No Brasil, já houve uma experiência parecida em
Recife e, por aqui, as turmas começaram há quase dois anos.
Subsecretário de Tratamento Penitenciário do Rio, Moises Bornac diz que o
estado não tem condições de acompanhar os presos que saem do sistema,
para saber se continuam zen após serem soltos. Mas, segundo ele, a
melhora na disciplina é perceptível nas celas. Apesar do sucesso, no
entanto, não há previsão de o projeto ser estendido a outras unidades,
pois faltam voluntários para atuar em presídios mais distantes, como em
Bangu, Japeri e no interior do estado.
Na
cadeia de São Cristóvão, os encontros acontecem numa sala-cela grande,
bem iluminada, equipada com tapetes e assentos com encosto que ficam no
chão e facilitam a realização dos exercícios. Carolina começa dando os
comandos da aula de yoga e não demora muito para a turma ficar
completamente em harmonia. O equatoriano Ruben Herrero, por exemplo, diz
ter muitas sensações durante as aulas. São angústias que afloram e
chegam a dar vontade de desistir do curso:
"É
como um espelho que está sendo limpo, um fenômeno mágico", diz o
interno, que alega segredo de Justiça para não dar detalhes sobre sua
condenação, mas não esconde a satisfação ao tentar mudar o seu destino.
"Estou aprendendo a viver o presente. A gente fica preso ao passado, às
angústias e, com a meditação, afloram muitas sensações. Costumo dizer
que médicos dão remédios para curar os males do corpo e, para curar
conflitos sociais e jurídicos, levam para a casa de detenção. Mas ainda
não há um tratamento para isso, é preciso pensar nisso, se antecipar,
oferecer tratamento psicológico para quem está no presídio".
Há
26 anos vivendo no sistema carcerário, com passagens por unidades que
já foram desativadas e até demolidas, como o presídio da Frei Caneca,
Cristiano José da Silva perdeu a liberdade aos 23 anos. Hoje, aos 49,
faz uma análise fria da cadeia: segundo ele, o modelo tradicional de
detenção no país não é capaz de recuperar os internos.
"Nunca
tinha visto nada que levasse bem-estar ao preso. Eram só brigas e
mortes. Vi algumas rebeliões. Mas, graças a Deus, a Arte de Viver me
trouxe uma paz inexplicável. Sinto mais amor hoje em dia", diz
Cristiano, que foi condenado a 68 anos de prisão por assalto, tráfico e
homicídio e, para se reencontrar, teve que passar por um processo de
desintoxicação pessoal. "Tivemos uma aula muito intensa, falei durante
cinco minutos sobre mim mesmo, não estava preparado, não sabia controlar
minha respiração. No dia seguinte não consegui sair da cela, senti
náusea, tive diarreia, fiquei deitado durante dois dias. Depois eu soube
que isso já ocorreu com outras pessoas".
Os
detentos que fazem o curso de meditação são orientados a passar uma
semana em silêncio e usam uma plaquinha no peito, indicando que não
podem falar. A tarefa é complicada porque os companheiros de cela ficam
curiosos, mas tentam colaborar.
http://www.diariodepernambuco.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário